16.1.11

Blog da Veja

A produção nacional de quadrinhos fica maior e mais diversificada nesta semana, com a chegada de Peixe Peludo (editora Conrad, 96 páginas, 24,90 reais), uma irreverente narrativa de um ser estranho, logicamente deslocado do mundo, contada num estilo torrencial à la Jack Kerouac. Não há uma história propriamente dita, mas um fluxo contínuo de pensamento do personagem, que parece acordar de ressaca em seu quarto – inspirado no famoso quadro de Van Gogh – e a partir daí enveredar pelos cantos mais diferentes de São Paulo e da sua cabeça. “É um livro sobre estar fora do habitat natural. Caminhar em São Paulo, de ressaca, vomitar na rua depois de uma maria-mole e uns ovinhos de codorna azuis. É sobre o Minhocão, a Praça Rosevelt, a rua Augusta, o Tietê, essas paisagens”, explica o ilustrador Rodrigo Bueno, coautor do livro. O texto é assinado pelo poeta Rafael Moralez. Confira abaixo uma conversa com Bueno, um escritor de outro alfabeto.

Peixe Peludo tem lançamento neste sábado, a partir das 19h30, na Livraria HQMix (praça Franklin Rossevelt, 142), em São Paulo.

Como surgiu a parceria com o poeta Rafael Moralez?
A gente se conheceu em Londrina, no Paraná, durante a faculdade, entre 1998 e 99. Nessa época, o Rafael publicava o fanzine Produto do Ócio, que circulava de mão em mão no circuito universitário. Ele era o principal responsável, mas não monopolizava o zine. Vários outros desocupados contribuíam com desenhos, textos e quadrinhos, o que deixava o produto ainda mais interessante. Acabei me aproximando desse povo e me tornei um desses colaboradores e amigos. Em 2002, me formei e vim para São Paulo. O Rafael fez a mesma coisa e encontrei com ele aqui, tão perdido e deslumbrado quanto eu, tentando se adaptar e sobreviver na região central da cidade. Acho que é aí que a história nasce. Dois caipiras passando mal na cidade grande.

O roteiro foi escrito a quatro mãos ou apenas pelo Rafael Moralez?
Primeiro veio o texto do Moralez, o roteiro veio depois, e foi feito em parceria. Eu ilustrava a história do Moralez e mostrava para ele, pedia palpite, refazia, desfazia, começava de novo, aquele vai e volta insuportável da arte. O texto é anterior porque foi escrito nos primeiros meses do Moralez em São Paulo. Ele comprou uma máquina de datilografia na feira de antiguidades do Bexiga e passou a escrever umas 50 páginas por dia. Em pouco tempo, tinha um baita texto. Foi daqueles processos de escrita automática, onde as idéias são despejadas sem grande organização, gerando um texto sem pé nem cabeça, parecido com o fluxo do pensamento. Fiquei empolgado quando li, mas ainda não tinha em mente um personagem para ilustrar a história. Fiz várias tentativas para verter o texto para ilustração, mas nenhuma me convenceu. Enquanto isso, praticava desenho de observação ao ar livre, observando a cidade e a diversidade das pessoas. Eu desenhava na rua, nos trens, metrôs, espaços públicos… de alguma forma, eu fazia meu próprio registro caótico do que eu via e sentia. Acho que esse é o ponto de identificação que tivemos um com o outro. Mas o que fazer com isso? Um fanzine? De novo? Pra quem agora? Enquanto não vinham essas respostas, a gente foi enchendo as gavetas.

E como nasceu o personagem Peixe Peludo?
Esse foi um nome surgido em um coletivo, um grupo de amigos que resolveu se juntar para fazer criações coletivas envolvendo fotografia, poesia, literatura e quadrinhos. Quem sugeriu o nome para o grupo foi o fotógrafo Arthur Calasans. Mas o coletivo não foi para frente e eu fiquei com aquele nome estranho na cabeça. “Peixe Peludo, Peixe Peludo, que bicho é esse? Um animal intermediário, meio mamífero, meio sangue-frio, fora d’água?”. Rabisquei bastante até encontrar o simpático formato bípede e corcunda, parecido com um personagem da minha infância, um peixe elegante de cartola e casaca, pintado na parede da peixaria onde eu comprava filé de merluza com meu pai, em Presidente Prudente. Isso certamente potencializou meu afeto pelo bicho. Com o personagem na mão, só precisava de uma boa história. Tentei escrever uns roteiros, mas não decolava. Fui buscar inspiração em coisas de que eu gostava, Rubem Fonseca, Nelson Rodrigues, Aluísio de Azevedo, até que encontrei o texto original do Moralez, os pensamentos-relâmpagos da máquina de escrever. Percebi que podia usar partes integrais daquele longo texto para desenvolver um narrador convincente.

É difícil publicar quadrinhos no Brasil?
Para publicar foi rápido. O que demorou foi amadurecer a idéia. A rigor, tudo começou em 2004, com longos períodos de descanso na gaveta. Então, publicar não é difícil. Duro é amadurecer o projeto, entender nossas idéias e executar as coisas com o mínimo de convicção.

De que outros estilos de quadrinhos, na sua opinião, o Peixe Peludo se aproxima?
Sinceramente, não sei.

Para você, o desenho é um tipo de escrita?
De certa forma, sim. É um tipo de linguagem. E o quadrinho traz um texto que é literatura. Existem vários tipos de quadrinhos e alguns têm tanta qualidade quanto um bom romance ou um bom livro de contos. Não vejo uma separação.

Que outros projetos você tem agora?
Montar uma banda com o Moralez e outros comparsas e fazer uma versão sonora do Peixe Peludo, tipo Clara Crocodilo, só que sem aqueles corinhos.

Maria Carolina Maia