7.2.11

Jornal de Londrina

(a matéria saiu assim mesmo, meio sem sal, sem nenhuma imagenzinha)

HQ

Aventuras de um peixe peludo

Rafael Moralez e Rodrigo Bueno, que viveram em Londrina, lançam livro pela Conrad
07/02/2011 | 11:32 Fábio Luporini/JL comente esta notícia

Um peixe peludo ranzinza é o personagem central das angústias e impressões que Rafael Moralez e Rodrigo Bueno têm sobre o centro de São Paulo. Enquanto, respectivamente, um descreve em palavras o outro registra em desenho o que encontram num percurso central da metrópole. Uma boa dose de sarcasmo e ironia fazem do livro Peixe Peludo (Ed. Conrad, 96 páginas, R$ 24,90) uma crítica ao sentimento de não pertencer a um lugar. É um passeio pelas impressões de dois artistas que, embora tenham uma ligação com a cidade, se sentiram estranhos ao retornarem à capital paulista.

“Quando vim para São Paulo, comecei a registrar as impressões de andar na cidade, sair à noite, morar no centrão. Isso virou um texto de mais de 170 páginas”, lembra Rafael Moralez. Para o texto virar desenho, foi questão de apenas se encontrar com o amigo Rodrigo Bueno. Os dois já haviam se conhecido em Londrina, quando estudaram na UEL. Moralez cursou filosofia e Bueno fez desenho industrial. Quando Moralez produzia fanzines na cidade, Bueno chegou a colaborar com alguns desenhos.

O desenho pretende ser uma nova linguagem das impressões registradas em texto. “Há a mistura de angústia com sarcasmo e ironia. Não é uma tradução ao pé da letra, mas uma segunda leitura das palavras”, declara o quadrinista Rodrigo Bueno. Cada traço, forte e intenso, é feito com base nas xilogravuras. “Eu ficava imaginando que estava tendo aquele mesmo movimento do gravurista, de enfiar a ferramenta na madeira e ir cavando os espaços em branco, pensando no contraste”, define Bueno.
O livro é uma profusão de pensamentos do personagem sobre seu mundo real e virtual. Faz parte da rotina a relação com a namorada, com o sogro, com bares e bandas. O peixe peludo mergulha na cena underground de São Paulo, passando por cenários como a Praça Roosevelt e a Rua Augusta. “A ideia era mostrar esses habitantes do centro de São Paulo, com um povo meio cinza, que pode passar com um elefante e não se nota a presença. A gente pode estar no meio de todo mundo e ninguém nota ninguém. Está todo mundo junto e ao mesmo tempo sozinho”, diz Moralez.

Serviço – Revista Peixe Peludo (Ed. Conrad, 96 páginas, R$ 24,90). Informações: (11) 2799-7799 ou www.conradeditora.com.br.


entrevista
Rodrigo Bueno, desenhista

JL – Você traduziu em desenhos as angústias da escrita do Rafael.
Rodrigo Bueno – Sim. Mas não têm só angustias. É um texto em que há mistura de angústia com sarcasmo e ironia. Então não é assim uma tradução ao pé da letra. É uma segunda leitura. A ilustração de livro e outras obras literárias é sempre uma leitura paralela ao texto. Mas a tentativa é essa, de fazer uma obra em que texto e imagem se complementem e acabam se tornando uma unidade, e acabou resultando nesse percurso por São Paulo, num grande devaneio que é mais ou menos parecido com um solo de trompete. Um improviso, às vezes dissonante, às vezes triste ou agressivo. Da minha parte, foi ilustrar isso: a sensação de não pertencer a um lugar e estranhar tudo.

Você tem uns traços muito fortes e intensos, com detalhes que se juntam a outros...
Como a maioria dos artistas, eu busco uma linguagem e um estilo e discurso próprios. É muito legal ver que dá para reconhecer essa característica. Eu tenho muitas influências, inclusive que não são do mundo dos quadrinhos. Eu gosto muito de xilogravura. Tem um artista que eu gosto que é o Marcelo Grassmann, que faz gravuras fantásticas de seres absurdos e usa um preto e branco muito forte, muito legal. Em geral, a xilogravura é muito linda e é uma coisa que sempre me comoveu. Então, quando eu desenhava, eu ficava imaginando que estava tendo aquele mesmo movimento do gravurista, de enfiar a ferramenta na madeira e ir cavando os espaços em branco, pensando no contraste. É uma viagem (risos). Fora o nanquim, que é uma tinta milenar de 5 mil anos, feita pelos chineses, que na primeira origem foi extraída do polvo, uma espécie de arma dos inimigos naturais. Quando o polvo se sente ameaçado ele joga aquela tinta preta no mar e some. Na minha viagem em relação ao uso da tinta e do preto, tem essa analogia, da gente utilizar esse recurso como arma mesmo, para desfocar o ambiente e despistar os predadores.


entrevista
Rafael Moralez, escritor
JL – Como surgiu essa parceria?
Rafael Moralez – Eu sou do interior de São Paulo e fui fazer filosofia na UEL. Sempre li quadrinhos e comecei a fazer um fanzine em Londrina chamado Produto do Ócio. Eu fazia, xerocava e chamava alguns colaboradores. O Rodrigo [Bueno, desenhista do livro] era um desses colaboradores. Quando vim para cá, encontrei com o Rodrigo. Ele terminou a faculdade em Londrina e também se mudou para São Paulo. Quando vim para São Paulo, eu não conhecia ninguém, embora tivesse meus irmãos, morava sozinho no centro. Então comprei uma máquina de escrever e comecei a registrar as impressões de andar na cidade, sair à noite, morar no centrão, diferente de morar em Londrina. Isso virou um texto de mais de 170 páginas e um dia falei pro Rodrigo ler. Ele teve a ideia de fazer alguma coisa, que resultou no livro.

As inspirações vêm das impressões que você tinha em relação a São Paulo?
Justamente. O Rodrigo pegou, leu o texto que era só um monte de idéias desconexas, impressões que não tinham muita ligação umas com as outras. Ele desenvolveu o personagem, o desenho é todo dele. A gente discutiu muito durante o processo. Colocamos o centro de São Paulo como cenário. O livro é feito a quatro mãos.

O leitor percorre as angústias de um personagem que se vê em uma cidade como São Paulo?
Quando você muda para São Paulo, num primeiro momento, há um estranhamento. Muita gente que mora aqui também se estranha com tudo. É meio ambíguo. A ideia era mostrar esses habitantes do centro de São Paulo, com um povo meio cinza, que pode passar com um elefante e não se nota a presença. A gente pode estar no meio de todo mundo e ninguém nota ninguém. Está todo mundo junto e ao mesmo tempo sozinho pra caramba, com uma melancolia por trás. A parte escrita tem uma crítica que muitos jornais colocaram como mau-humor, porque o personagem é ranzinza. Mas ele não é mau-humorado, ele é crítico.

É um humor maio ácido...?
Certeza. Eu fazia esse humor ácido com o fanzine. O livro tem muito de Londrina, meio implícito, que as pessoas não conseguem ver. Eu fazia o fanzine e criticava pessoas e bandas explicitamente e elas achavam engraçado e gostavam. Lembro que fiz um fanzine em que critiquei dez bandas. Depois de uma semana veio um cara que pediu para eu falar mal da banda dele no próximo número. Achei curioso as pessoas gostarem de ouvir alguém praguejar.

Foi uma nova experiência escrever para quadrinhos?
Esse livro não era para ser quadrinho. Escrevi e saiu meio que num fluxo de pensamentos. O start de fazer quadrinhos foi do Rodrigo. Ele sugeriu e concordei. Foi ele quem visualizou o quadrinho. Como o desenho dele é melhor que o meu, ele desenhou tudo e eu cuidei do texto. Foi um casamento perfeito. Gostei dos traços dele, é meio xilogravura. Mais para o fim do ano vamos pensar em um número seguinte